O Simão é uma criança como as outras, só acha que lhe roubam tempo demais para brincar e que a escola trata todos de igual forma, quando todas as crianças são únicas. Por causa disso decide escrever uma carta a reivindicar o seu direito à brincadeira e à diferença!
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Simão Costa
Rua dos Sonhos, n.º 425
4150-124 Porto
Ex.mo Senhor
Ministro da Educação
Ex.ma Senhora
Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança
Social
Porto, 15 de setembro de 2021
Assunto: Contestação
Ex.mos Senhores,
Ando há muito a pensar em escrever esta carta, mas vivo adiando estas palavras na esperança de que o assunto se esgote, mas na verdade só tenho reunido motivos para ficar ainda mais triste. Sou uma criança de 10 anos que escreve estas palavras para vos pedir mais tempo para brincar, mais tempo para ser criança, mais tempo para mim e para a minha família. A maior parte da minha vida é passada na escola, pouco tempo dedico aos meus pais e irmãos e mesmo quando estamos juntos, são momentos que se vivem a correr, preocupados com os trabalhos de casa, as horas de jantar e dormir.
Não gosto destas rotinas que me cansam tanto e me aborrecem! Sinto que estou a crescer muito rápido e a aproveitar pouco o tempo que tenho para ser criança, para brincar, para fazer asneiras, para chatear os meus pais e irmãos, como é suposto acontecer num irmão mais novo. Mesmo os meus brinquedos passam tempo demais sozinhos, saem tão poucas vezes da prateleira e quase que nem se estragam. Alguns já passaram para as mãos dos meus primos, ainda embrulhados no plástico.
Sei que a vossa vida não é fácil, o tempo também é pouco para vocês. Os dias deveriam ter mais horas para poderem concluir mais tarefas e responder a todos os assuntos que vos chegam às mãos. Mas eu também me sinto cansado, e sou apenas uma criança. Estou a viver os melhores momentos da minha vida, de forma acelerada e louca.
Os meus pais também andam cansados. Noto-lhes um olhar esgotado e vago, porque sabem que não se conseguem dedicar a esta tarefa de pais, tanto como gostariam. Ainda por cima somos três. É muita gente com quem dividir a atenção, num chinfrim de tarefas a fazer quando se chega a casa e quando se está fora dela. Gostava que os meus pais não trabalhassem tantas horas. Será que é assim tão difícil mudar os horários dos trabalhadores, para que tenham mais tempo para estar com os filhos? Será que isso não faria com que nós tivéssemos um futuro melhor? Não teríamos mais tempo para os afetos, para a brincadeira, para a família, para aquilo que é realmente importante na nossa idade?
Sinto que querem que eu cresça rápido, quando eu não tenho pressa nenhuma de crescer e gosto tanto de ser criança. Mas não assim, não com uma vida tão atarefada, num mundo em que nos pedem que tenhamos boas notas, que pensemos todos da mesma forma, que sejamos todos iguais em formas e feitios. E pelo caminho, ficam os afetos, as emoções, a nossa criatividade que se anula, como se quisessem colocar tudo dentro da mesma caixa.
Na escola sinto que somos todos tratados por igual, quando sei que não somos. Eu gosto muito de matemática e a Maria adora desenhar. Já o Raul não tem jeito nenhum para artes, nem para matemática, mas parece-me que vai ser o próximo Cristiano Ronaldo. Ora, se não somos todos iguais, se gostamos todos de coisas diferentes, se uns estão mais inclinados para as artes e outros para as ciências, outros para a representação e outros para o desporto, porque temos de aprender todos o mesmo e da mesma forma? Não querem repensar o nosso sistema de ensino e prepararem-nos de acordo com aquilo de que gostamos? Não faria mais sentido?
Peço-vos, por favor, que repensem estas ideias que vos deixo. Sei que o vosso tempo é pouco, mas o nosso também não é infinito e a infância, pelo que dizem, passa num ápice. Deixem-nos ser crianças e estar mais tempo com quem amamos, por favor!
Estou certo de que estas palavras merecerão algum do vosso tempo, até porque tenho a certeza que a vossa missão também é fazer as pessoas mais felizes e tornar o nosso país um lugar melhor.
Cordialmente,
Simão Costa.
Carina Novo