Contar histórias é das artes mais antigas da humanidade. Através das pinturas rupestres os homens das cavernas já narravam os acontecimentos do quotidiano. A oralidade é, assim, algo muito anterior ao processo de escrita. Nos velhos tempos, as pessoas já tinham o hábito de se reunir à volta do fogo não só para se aquecer, mas também para contarem histórias.
A arte de contar e ouvir histórias, possibilita o resgaste da memória cultural e afetiva, preserva as tradições, transmitindo a história e o conhecimento acumulado de geração em geração, as crenças, os mitos, os costumes e os valores de uma determinada comunidade. Através das narrativas, o homem divulga e partilha o seu conhecimento, a sua cultura, promove o entretenimento e expressa as suas emoções, preocupações e impressões. Daí que, contar uma história, não seja mais do que apresentar a um determinado público uma narrativa que é uma leitura do mundo. Aliás, muitas das histórias que chegaram até aos dias de hoje, não são mais do que uma forma de o homem querer interpretar o mundo que o rodeava, de justificar muitas das coisas que aconteciam ao seu redor e que ele não conseguia explicar naturalmente.
O escritor peruano Mário Vargas Llosa afirma que contar histórias é:
«Uma atividade primordial, uma necessidade da existência, uma maneira de suportar a vida. Para conhecer o que somos, como indivíduos e como povos, não temos outro recurso do que sair de nós mesmos e, ajudados pela memória e pela imaginação, projetar-nos nessas ficções; é refazer a experiência, retificar a história real na direção que nossos desejos frustrados, nossos sonhos esfarrapados, nossa alegria ou nossa cólera reclamem.»
Um momento de partilha
Os benefícios para quem conta e para quem ouve uma história são inúmeros. Esse é, sem dúvida, um momento de interação, de aproximação e de partilha de afetos, de memórias entre quem conta e quem ouve. Contar histórias não é apenas um ato recetivo, pelo contrário. Todos nós reagimos à mesma história de formas diferentes. Portanto, ouvir histórias provoca reações individuais distintas, de expressão e de observação do mundo, o que faz com que este seja um momento de troca e de partilha.
Associação de vivências
Quando as crianças ouvem uma história, conseguem interligar aquilo que ouvem às suas próprias experiências e vivências. Neste processo de identificação elas vão assimilar os recursos necessários para enfrentar e lidar com as suas frustrações, emoções, conflitos e vivências.
Estimula a imaginação e a criatividade
Para além de se tratar de uma atividade lúdica, ouvir histórias amplia a imaginação, a criatividade e o vocabulário da criança. O ver, o sentir e o ouvir são as primeiras disposições na memória das pessoas. Ao ouvirmos histórias, isso enriquece o nosso interior, o nosso espírito, amplia os nossos conhecimentos acerca do mundo. Aproximam-nos e dão-nos bases para ajudar na resolução dos nossos problemas e mudam a forma como vemos e interpretamos o mundo, da mesma forma que nos tornam mais empáticos e mais permeáveis à diferença. Contar histórias é estimular a curiosidade e oferecer as respostas em relação a tantas questões sobre o mundo, sobre outros lugares, outros tempos, encontrar limites, ideias, soluções para os problemas e encontrar uma forma de enfrentar os desafios e resolver os conflitos.
Uma boa história deve encantar, prender a atenção, falar de assuntos interessantes para a idade a que se destina, que estejam relacionadas com a vida e a compreensão das crianças. Devem também inserir elementos novos, possíveis de estimular a sua imaginação e criatividade, incentivando a sua imaginação.
Na minha humilde opinião, não devemos trazer histórias às crianças cuja ideia seja dar lições de moral. A criança vai tirar o seu próprio ensinamento da história que vai ouvir e isso faz parte de todo o processo. Deixar que cada uma tire a sua própria leitura da história, sem imposições, sem orientações da parte de quem a conta. Para que seja a criança a ganhar o gosto e o hábito da leitura, ela tem que ouvir as histórias e ler os livros pelo simples prazer que isso lhe traz. Imaginem o que seria se, de cada vez que um adulto lesse um livro, viesse alguém questionar as atitudes das personagens, a nossa leitura e a nossa interpretação acerca dessa obra? Pois, não tem piada, não é?
Experiência cognitiva
Ouvir histórias ajuda-nos a desenvolver a nossa linguagem oral e escrita, a ampliar o nosso vocabulário, assim como o prazer pela arte, a habilidade de dar lógica aos acontecimentos e estimula o nosso interesse pela leitura. E isto é ainda mais importante quando dirigimos o ato de contar histórias ao público mais pequeno. Contar histórias é uma forma de transmitir ensinamentos éticos, de cidadania, de proporcionar um mundo imaginário às crianças, que necessitam de ouvir histórias para desenvolver a sua imaginação, a sua criatividade, a sua observação e a linguagem oral e escrita. Ela elabora conceitos essenciais à sua existência e sobrevivência, identificando-se com os papéis sociais que irá exercer ao longo da sua vida. São assim um importante veículo de transmissão de valores, de crenças, de ideais, por darem contexto a factos abstratos difíceis de transmitir de forma isolada. As histórias estimulam o desenvolvimento de funções cognitivas essenciais para o pensamento, tais como o raciocínio lógico, as relações espaciais e temporais, a comparação, o pensamento hipotético, divergente ou convergente, entre outras.
Estimula o espírito crítico
Ouvir e ler histórias estimula o espírito crítico das crianças, pois possibilita que as mesmas pensem, questionem, duvidem, critiquem ou comentem aquilo que ouviram ou leram, de forma a terem as suas próprias ideias e opiniões.
Transmissão cultural
A oralidade é uma ferramenta muito antiga de transmissão da cultura, dos conhecimentos e das experiências entre as gerações, elementos que mantêm vivas as tradições e os costumes de cada grupo.
Incentivo à leitura
Ouvir histórias tem uma ligação muito importante e decisiva na aquisição de hábitos de leitura. Quem de pequeno foi habituado a ouvir histórias, facilmente se torna um leitor voraz. E os benefícios que a leitura nos traz, já tinham sido apresentados por mim neste meu blog. Ela amplia o nosso vocabulário, estimula a curiosidade, imaginação e a criatividade, potencia o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, entre muitos outros benefícios.
Assim, e em jeito de conclusão, para que percebam a importância de contar histórias, digo-vos que ao ouvirmos uma história temos a possibilidade de refletir sobre a vida e a morte, sobre as nossas opções, as nossas atitudes, os nossos pensamentos e comportamentos, pois elas falam-nos de dor, de luta, de resiliência, de coragem, de compaixão, de solidariedade, de esperança, de conquista e de vitória. Porque as histórias abarcam todas estas possibilidades, elas são uma necessidade do ser humano.
«O sentido do que somos depende das histórias que contamos e das que contamos de nós mesmos [...], em particular das construções narrativas nas quais cada um de nós é, ao mesmo tempo, o autor, o narrador e o personagem principal.»
Larossa
Carina Novo